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Elson Martins

Mapinguary cerca Hollywood



Mapinguary cerca Hollywood - Gente de OpiniãoELSON MARTINS
Editor do Almanacre
De Rio Branco (AC)

 

Bem feito! Quem manda a poderosa empresa cinematográfica norte-americana Warner Bros cutucar o Acre com vara curta? O cartunista Braga, de Rio Branco, já advertira: “Quem conhece Mapinguary não se assombra com King Kong”.

Para quem não conhece o Mapinguary, ele é um ser mitológico das selvas amazônicas, que se assemelha a um grande macaco peludo com a boca no estômago e fedorento. Pesquisadores antropólogos acreditam que a lenda do bicho é baseada no contato que ancestrais tiveram com os últimos representantes de preguiças-gigantes que habitavam florestas. Provavelmente, alguns exemplares ainda existem em áreas remotas da Amazônia.
 

A história que segue tem mais de dez anos. Começou após o assassinato do líder seringueiro Chico Mendes, em dezembro de 1988, a mando de fazendeiros que queriam desmatar a floresta e expulsar as famílias que a ocupam tradicionalmente. Chico se transformara em personalidade mundial por conta de sua luta em defesa da Amazônia e sua gente.
 



 

Mapinguary cerca Hollywood - Gente de Opinião
Ativista político Abrahim Farhat e advogado Paulo Dinelli defendem os direitos da família do sindicalista Wilson Pinheiro /MONTEZUMA CRUZ

Olho grande hollywoodiano
 

Após o enterro do líder seringueiro, a antropóloga Mary Allegretti, principal responsável por sua trajetória internacional, criou a Fundação Chico Mendes colocando a esposa do ativista,  Ilzamar, na presidência da entidade. Na ocasião ela anunciou que a Warner Bros. realizaria um filme sobre o tema. O jornalista e escritor Andrey Revkin estava escrevendo o livro “Tempo de  Queimada : Tempo de Morte” que serviria de roteiro. E a própria Mary receberia alguns mil dólares como consultora do projeto.
 

Aconteceu, entretanto, que a história atraiu outros estúdios, tanto estrangeiros quanto nacionais, o que levou notórios cineastas a visitar Rio Branco: além do magnata executivo da Warner, Ted Turner, e seu diretor Sam Mendes, autor de “A Missão”, apareceram os nacionais Nelson Pereira dos Santos e Roberto Farias, e o filho do escritor Nelson Rodrigues, Joffre Rodrigues, que acabou levando a melhor.
 

A disputa pelos direitos de rodar o filme teve lances proibidos para menores. Mary Allegretti chegou a estabelecer critério através da Fundação Chico Mendes para a escolha, ficando certa de que a Warner faria o filme. Entretanto, na hora da votação, Ilzamar, influenciada por um padre em Xapuri, surpreendeu optando pela proposta nacional de Jofre Rodrigues. O argumento, até certo ponto aceitável, era de que a luta de Chico Mendes merecia uma abordagem nacional.
 

A decisão foi péssima. Jofre até tentou rodar um roteiro feito pelo escritor amazonense Márcio Souza, famoso desde o lançamento do livro “Galvez, o Imperador do Acre”, em 1976, mas acabou vendendo  os direitos do filme para a própria Warner, que a essa altura esquecera Mary Allegretti e Sam Mendes, e qualquer compromisso com a história original.
 

O filme foi dirigido por John Frankenheymer, um bom diretor de westerns, diga-se de passagem, com cenas rodadas no México, com atores hispânicos usando chapelão mexicano e chamando Chico Mendes de “Chicôou Mendez”. De Brasil, mesmo, só a deliciosa Sônia Braga no papel de Ilzamar.

 
 

Bonitinho, mas ordinário
 

 “Amazônia em Chamas” (The Burning Season) resultou num filme bonitinho, mas ordinário, como diria o pai do Jofre, e deu a mínima para as questões legais relacionadas aos personagens utilizados. A Warner teria pago um milhão de dólares para à viúva de Chico (Ilzamar nega ter recebido tanto dinheiro) , mas ignorou solenemente a família de Wilson Pinheiro, líder seringueiro que antecedeu Chico no enfrentamento aos fazendeiros, e que foi morto oito anos antes (1981), de emboscada, na sede do sindicato dos Trabalhadores Rurais de Brasileia na fronteira com a Bolívia, com três tiros pelas costas.
 

Embora retraída em sua colocação de seringa transformada em colônia (sítio) nas margens da BR-317, trecho entre Xapuri e Brasiléia, a família de Wilson Pinheiro (a viúva Terezinha e sete filhos pequenos, sendo sete mulheres e um homem), viveu anos de sofrimento, sem o amparo que a família de Chico recebeu. A situação foi tão dramática que uma das meninas, para ajudar na renda casa, chegou a trabalhar como doméstica para o fazendeiro acusado de mandante do assassinato do pai.
 

Em 2007 essa menina, Hiamar, que estudou e se tornou professora, procurou um advogado e começou a processar a poderosa Warner Bros. Ela conseguiu uma cópia de “Amazônia em Chamas” ficando indignada com o que vira: Wilson Pinheiro, que que era negro, magro e alto, foi representado por um ator branquela, que usava cabelos compridos  e não tinha o menor trejeito de um habitante da floresta.
 

O advogado Paulo Dinelli  da Costa aceitou defender a família e entrou com ação contra a Warner Bros. na Justiça do Acre. A juíza Olivia Alves Ribeiro, de Rio Branco, fixou a indenização irrisória em RS 156 mil reais. Mesmo assim, a empresa norte-americana se recusou pagarMapinguary cerca Hollywood - Gente de Opinião. Em novo recurso, a família passou a exigir o pagamento de 4 milhões de dólares.

 
 

Mapinguary
 

Pior para a Warner Bros, pode-se dizer, porque a história foi crescendo e a viúva de Wilson Pinheiro, eximia caçadora que acerta macaco no escuro, dentro da floresta, ganha aliados importantes – um deles o ativista Abrahim Farhat Neto,  que acaba de colocar a questão nas mãos da CUT  Internacional e prepara um dossiê para ser entregue em mãos à presidente Dilma Roussef.
 

“Acho uma barbaridade uma companhia de cinema tão rica e poderosa não querer pagar nada por ter usado, sem nossa permissão, a imagem de meu pai, contando inclusive episódios mentirosos, como foi o que mostrou meu pai maltratado pela polícia”, diz, revoltada, Irismar de Paiva Pinheiro, outra filha de Wilson Pinheiro e que também assina a nova ação contra a Warner Bros.
 

Dona Terezinha sobrevive de uma pensão de dois salários mínimos de viúva de Soldado da Borracha, atribuída como legado ao herói sindicalista, enquanto a Irismar, que mora com ela, recebe  outra pensão de pouco mais de um salário mínimo deixado pelo marido falecido
 

Abrahim  Farhat  confia que essa situação vai mudar a partir do encaminhamento via CUT. Para ele, a questão será internacionalizada  e a Warner, simbolizada no caso por um gigantesco macaco, o King Kong, vai ter que ceder diante do inóspito Mapinguary amazônico.  Acompanhem o caso! 

 

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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