Terça-feira, 16 de abril de 2024 | Porto Velho (RO)

×
Gente de Opinião

Frei Betto

Frei Betto: 'A Igreja brasileira é tímida, perdeu o profetismo de tempos passados'



O Brasil vive um momento de extrema importância histórica. A situação sociopolítica é cada vez mais preocupante. O julgamento do ex-presidente Lula em segunda instancia que hoje, 24 de janeiro, vai acontecer em Porto Alegre, só complica uma situação marcada pela tensão.

Dentro dessa conjuntura, Frei Betto,uma das vozes mais autorizadas no Brasil na análise sociopolítica, faz uma valoração nesta entrevista sobre o momento que passa o pais, mostrando sua opinião sobre como pode ser resolvida a situação.

Frei Betto define a postura da Igreja católica diante do momento pelo qual o país está passando como tímida, pouco profética, trazendo à memória a figura de bispos que se comprometeram com os mais pobres, chegando afirmar que existe uma distância entre o Papa Francisco e os bispos brasileiros, pois “muitos bispos brasileiros, o toleram, mas não apoiam”.

No contexto do 14º Intereclesial das comunidades eclesiais de base, que está acontecendo em Londrina, analisa o papel das CEBs, destacando sua grande importância na vida do país nas décadas de setenta e oitenta, e como elas podem ser instrumento que ajude a retomar muitos dos aspectos que sempre estiveram presentes na sociedade e na Igreja do Brasil.

Como vê hoje a situação sociopolítica do Brasil?

O Brasil vive uma crise política e institucional muito forte desde  o golpe parlamentar que depôs a presidente Dilma Rousseff, golpe que configura uma estratégia da Casa Branca para destituir na América Latina os presidentes progressistas. Começou por Honduras, depois Paraguai e agora Brasil. Temos um governo golpista, chefiado pelo presidente Temer, que não consegue chegar a 5% de aprovação da opinião pública, e um grande impasse com a tentativa de criminalizar a figura do líder máximo da base popular brasileira, que é o ex-presidente Lula, cujo julgamento em segunda instancia será hoje, em Porto Alegre.

Então vamos ver o resultado. De qualquer forma acredito que ele não será impedido de ser candidato a presidente. A superação dessa crise vai depender, de um lado, das eleições de outubro, eleições para presidente, governadores, e também para o Congresso Nacional. De de outro lado, nós temos um cenário muito curioso, que é a inércia do povo. Muitos me perguntam, principalmente amigos estrangeiros, por que não ocorrem aqui manifestações como a que houve recentemente na Argentina. Pela mesma razão que deveriam acontecer  manifestações contra a reforma da Previdência Social, para depor o presidente Temer. Por que não ocorrem manifestações expressivas?

Porque, infelizmente, durante os treze anos do governo do PT não se trabalhou a politização do povo brasileiro, não se fez o que eu chamo de  alfabetização política. E, com isso, nós temos hoje uma nação de consumistas e não de protagonistas políticos.

O que deveria ser feito desde os movimentos sociais, desde os partidos políticos, para recuperar essa dimensão política na sociedade?

Precisamos primeiro fortalecer os movimentos sociais, isso é o mais importante. Eles representam a parcela da população mais importante de toda a cadeia de mobilização social, muito mais que os partidos. O problema é que, uma vez no governo, o PT cortou alguns movimentos sociais importantes, como a CUT e a União Nacional dos Estudantes, que se tornaram muito mais do governo na base do que representantes da base junto ao governo, como deveria ser sempre,.

O resultado é que temos hoje movimentos sociais muito fragilizados, embora alguns tenham expressão nacional e capacidade de mobilização. Aqui eu resalto dois, o MST, que é o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, e o MTST, o Movimento dos Sem Teto. Esses dois movimentos são os expoentes da mobilização popular no país. Mas deveríamos ter muito mais, pois o Brasil tem uma enorme rede de movimentos sociais, movimentos negros, de mulheres, de luta por direitos, água, passarela, estrada, cisternas, toda uma infinidade de movimentos sociais, que  foram fragilizados por falta de um trabalho, a meio prazo, de alfabetização política. E,hoje, se você pergunta, qual é a nossa tarefa prioritária?, a resposta é:  aprimorar, investir, fortalecer os movimentos sociais.

O senhor falou sobre o Movimento Sem Teto. Corre o rumor que Guilherme Boulos, o líder desse movimento, poderia ser um futuro candidato à Presidência do Brasil?

Parece haver uma tratativa para que ele saia candidato a presidente pelo PSOL, que é um partido de esquerda, e no segundo turno apoiaria o Lula. Ele tem conversado muito com Lula e Lula com ele, os dois são parceiros. Porque o Guilherme, como candidato a Presidente, vai conseguir agregar um setor da esquerda que hoje não está disposto a votar em Lula devido às alianças que ele fez no passado e ainda insiste em fazer no futuro, com Renan Calheiros, com José Sarney etc., que são caciques corruptos da política brasileira.

A Igreja, diante da situação política, através da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, já tem emitido algumas notas. Pensa que é suficiente, pensa que a Igreja brasileira deveria ser mais profética?

A Igreja brasileira foi muito profética durante os anos da ditadura militar e a democratização a partir de 1985 até a década de noventa. A partir daí, com o pontificado de Jõao Paulo II e Bento XVI, esse profetismo desapareceu praticamente, e ainda não despontou de novo. Então, nós temos uma Igreja tímida, que faz documentos tímidos, alguns até críticos ao governo Temer, como aquele que foi emitido contra a reforma trabalhista, mas não temos mais expoentes proféticos como Dom Pedro Casaldáliga, Dom Helder Câmara, Dom Paulo Evaristo Arns, Dom Fragoso, Dom Luiz Fernandes, bispos que realmente expressaram em público o amor àqueles que são, por força da desigualdade social e da exclusão, sem voz.

Porque essa timidez quando a gente vê que o Papa Francisco está sendo alguém que se posiciona claramente contra um sistema que ele qualifica como um sistema que mata?

Porque, infelizmente, o Papa Francisco não é o Papa de muitos bispos brasileiros; eles o toleram, mas não o apoiam. Acham que o Papa Francisco é demasiadamente avançado. Então, por isso, não manifestam o apoio que eu gostaria que a CNBB manifestasse sempre.

O Papa Francisco já promoveu três encontros de líderes mundiais de movimentos sociais, três. O Brasil, seguramente, é um dos países do mundo com maior número de movimentos sociais. A CNBB já deveria ter feito pelos menos um encontro semelhante. Ou seja, ainda é uma conferência episcopal tremendamente clericalizada, onde os leigos quase não têm nenhum espaço. Isso realmente mostra a falta do nosso profetismo.

A Igreja do Brasil promove nesse ano o Ano do Laicato. Desde esse ponto de vista, o Ano do Laicato é algo que fica dentro da Igreja ou uma coisa que tem uma implicação para fora?

Não, não, para dentro da Igreja. Não é um ano em que você tenha, por exemplo, uma Igreja se manifestando a favor de leigos, católicos que participam da vida nacional e que deveriam ter todo o respaldo explícito da Igreja. A Igreja sequer dá respaldo a padres e religiosas que estão na linha de frente. Ou seja, não dá suficiente apoio àqueles  que estão mais envolvidos com os movimentos sociais.

A CNBB, por exemplo, deveria ter feito uma missa no assentamento do MTST em São Bernardo do Campo, onde  oito mil pessoas estão alojadas em barracas. Não fez. Deveria ter aproveitado o Natal para fazer uma grande celebração lá. A Igreja não foi, mas os pastores evangélicos foram lá. Essa é a contradição que vivemos.

Estamos participando do 14º Intereclesial das Comunidades Eclesiais de Base. A Igreja da base, como poderia ajudar para que essas mudanças que o Papa Francisco tenta propor, tanto na Igreja como na sociedade, se tornem uma realidade, no mínimo nessa Igreja de comunidades, de base?

As comunidades de base precisam crescer e isso têm que ser uma iniciativa dos leigos. Embora haja muitos padres e alguns bispos que apoiam, não vamos esperar que eles tomem a iniciativa sozinhos. É preciso que os leigos incrementem essa rede de comunidades, que foi extremamente vital durante as décadas de 1970 e 80 no Brasil, contribuindo para derrubar a ditadura, contribuindo para a formação do PT, da CUT, do MST.

Lula varias vezes repetiu , as CEBs tiveram mais importância na capilaridade nacional do PT do que o movimento sindical, do que o movimento social.

Poderíamos dizer que com o tempo as CEBs se tornaram uma coisa mais intraeclesial?

Não, o que aconteceu é que as CEBs perderam apoio nos dois pontificados conservadores, de João Paulo II e Bento XVI, e com isso os bispos recuaram no apoio. E como a Igreja tem uma estrutura vertical, autocrática, isso teve reflexo nas CEBs. Existem estudos que demonstram que o crescimento das igrejas evangélicas tem a ver com o recuo das CEBs. Quando os leigos encontravam nas CEBs espaço para vivenciar sua fé e sua prática missionária, as igrejas evangélicas não cresciam tanto. Muitos foram buscar nas igrejas evangélicas o que não encontravam mais na católica.

Muitos movimentos conservadores dizem que as CEBs provocaram o crescimento das igrejas evangélicas. Isso não é verdade.  O fato é que as CEBs foram uma força extremamente expressiva na história do Brasil nas décadas de setenta e oitenta.

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

Gente de OpiniãoTerça-feira, 16 de abril de 2024 | Porto Velho (RO)

VOCÊ PODE GOSTAR

Esquerda, o resgate do sonho

Esquerda, o resgate do sonho

         Pertenço à geração que teve o privilégio de fazer 20 anos nos anos 60: Revolução Cubana, Che, Beatles, Rei da Vela, manifestações estudanti

Democracia e valores evangélicos

Democracia e valores evangélicos

       No tempo de Jesus, a questão da democracia já estava posta, porém apenas em uma região distante da Palestina: a Grécia. Dominada pelo Impér

Pergunte à história

Pergunte à história

Eleitores nem sempre votam com a razão. Muitos votam com a emoção.

O cardeal eletricista

O cardeal eletricista

O cardeal polonês, de 55 anos, é o principal assessor do papa

Gente de Opinião Terça-feira, 16 de abril de 2024 | Porto Velho (RO)