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Carnaval e Quaresma: novo modo de viver e proceder! - Por Dom Moacyr Grechi


  
Nestes dias de carnaval, que pode ser vivido de diversas maneiras, começamos a preparação rumo à Páscoa. Muitos jovens, incluindo suas famílias, promovem nestes dias uma verdadeira cultura da paz, com músicas, teatro e confraternização. Há quem faça opção pelo retiro, com momentos de oração, revisão de vida e espiritualidade, buscando um novo sentido para suas vidas, através de uma experiência de Deus, profunda e transformadora.

O carnaval, que surgiu em função da quaresma, assinalava que estava chegando o tempo que iria conduzir à celebração da Páscoa. Hoje, apesar do contraste com a quaresma, devido aos exageros e abusos do carnaval, convergem no seu significado e se integram quando realizados com discernimento.
    
Quando terminar os dias de Carnaval, iniciaremos o tempo da Quaresma com a imposição das cinzas sobre nossas cabeças: “convertei-vos e crede no Evangelho” (1º de março). Palavras que indicam um inteiro programa de vida: através da prática do jejum, abstinência, penitência, confissão, participação na liturgia, oração, reuniões de grupos, vivencia na comunidade, leitura da Palavra de Deus, caminhamos ao encontro do Cristo pascal e retomamos com entusiasmo a vida cristã.
    
Durante a Quaresma realizamos a Campanha da Fraternidade que, ao longo dos anos, tem refletido sobre a vida em todas as suas dimensões e levantado questões que necessitam de maior discernimento. Os temas da CF sempre tocam em assuntos sociais, convidando todos os cristãos e a sociedade em geral para uma séria reflexão sobre o tema e um empenho maior em favor da solidariedade e de realidades mais justas e fraternas ao propor que haja conversão pessoal e social para enfrentar os desafios sociais, econômicos, culturais e até mesmo religiosos. A partir de cada CF, os católicos e pessoas de boa vontade são convidados a refletir e agir para transformar a sociedade.
    
A Campanha deste ano retoma os temas ecológicos anteriores e tem por objetivo “cuidar da criação, de modo especial dos biomas brasileiros, dons de Deus, e promover relações fraternas com a vida e a cultura dos povos, à luz do Evangelho”. Com o tema “Fraternidade: biomas brasileiros e defesa da vida” e o lema “Cultivar e guardar a criação” (Gn 2,15), a CF 2017 pretende à luz da fé, refletir sobre o significado dos desafios apresentados pela situação atual dos biomas e dos povos que neles vivem, abordando as principais iniciativas já existentes para a manutenção de nossa riqueza natural básica e apresentando propostas sobre o que devemos fazer em respeito à criação que Deus nos deu para cultivá-la e guardá-la.

O Brasil tem seis biomas (conjuntos de ecossistemas numa mesma região com semelhantes características e processos de formação): Mata Atlântica, Amazônia, Cerrado, Pantanal, Caatinga e Pampa, que sofrem interferências negativas desde os primeiros colonizadores ao Brasil, que utilizaram a mão de obra escrava indígena e africana para explorar, extrair, dilapidar as riquezas naturais.

Hoje, com uma população de mais de 200 milhões de brasileiros, sendo mais de 160 milhões vivendo em cidades, o país sofre o impacto dessa concentração populacional sobre o meio ambiente produzindo problemas que põem em risco as riquezas dos biomas brasileiros (TB/CF 2017).

Vivemos no maior bioma do Brasil, a Amazônia, que ocupa 61% do território nacional e abriga mais da metade de todas as espécies vivas do país, possui a maior bacia hidrográfica de água doce do mundo. 80% de sua população vivem nas áreas urbanas, sem saneamento básico e outros direitos básicos.

Os conflitos e a violência contra os trabalhadores do campo se concentram de forma expressiva na Amazônia, para onde avança o capital tanto nacional como internacional. O manejo florestal passou a ser uma atividade na qual foram inúmeras as denúncias de trabalho escravo.

A expropriação privada de grandes áreas de terra continua sendo a principal causa de desmatamento. A pecuária é a principal atividade implantada nas áreas recentemente desmatadas. A construção de grandes hidrelétricas e atividades de mineração são responsáveis por boa parte dos danos ambientais e sociais nas comunidades.

O problema fundamental da Amazônia é o modelo de desenvolvimento adotado para a região. A disputa pelas riquezas faz com que a legislação flutue conforme os interesses das corporações econômicas que atuam na região. A concentração urbana indica que a vida na floresta muitas vezes é inviabilizada para as populações originárias e tradicionais. Todas as lutas indígenas, de ribeirinhos e quilombolas são sempre para manter seus territórios. Porém, mesmo contra a corrente do modelo, é graças a essas populações que ainda temos grande parte da floresta em pé.

O Texto Base da CF 2017 nos permite refletir sobre os biomas e os povos originários à luz da Palavra de Deus e do Magistério da Igreja. A partir da fé cristã, podemos contribuir com as questões da ecologia integral, sobretudo, na convivência harmônica com os nossos biomas. Como afirma o Papa Francisco: “as convicções da fé (nos) oferecem motivações importantes para cuidar da natureza e dos irmãos e irmãs mais frágeis” (LS 64).

As ações propostas nesta Campanha da Fraternidade estão em sintonia com a Doutrina Social da Igreja, com a encíclica Laudato Si e com a CFE de 2016. Elas indicam a necessidade da conversão pessoal e social, dos cristãos e não cristãos, para cultivar e cuidar da criação.

Nesta Quaresma, somos chamados, a partir de nosso bioma e dos povos originários que aqui habitam, a descobrir quais ações são possíveis e, entre elas quais são as mais importantes e de impacto mais positivo e duradouro. Para o Papa Francisco, é devido à atividade humana que o planeta continua a aquecer. Este aquecimento provoca mudanças climáticas que geram a dolorosa crise dos migrantes forçados. Os pobres do mundo, embora sejam os menos responsáveis pelas mudanças climáticas, são os mais vulneráveis e já sofrem os seus efeitos.

A liturgia de hoje supõe uma consciência filial com relação a Deus (Sl 102) e com aqueles que são insignificantes e marginalizados, um amor que serve de critério para ver se a nossa vida é compatível com a companhia de Deus, nosso Pai. As leituras sugerem exemplos concretos para que o comportamento de Deus se torne a regra de nosso agir.

O Livro do Levítico insiste na prática da justiça e caridade nas relações sociais; o apelo de Moisés “Sede santos, porque eu o Senhor, vosso Deus, sou santo” é um convite a imitar a santidade divina. Ensina-nos a agir como Deus age e nos leva a descobrir o próximo naquele que precisa de nossa ajuda (Lv 19,1-2.17-18).

No domingo passado, celebramos a justiça do Reino, proclamada por Jesus, como cumprimento da verda­deira lei; hoje, aprendemos com Jesus o modo como cumprir essa lei, que segue por caminhos contrários a tudo o que o mundo espera. O Evangelho abre a perspectiva do relacionamento humano para além das fronteiras que se costumam construir (Mt 5, 38-48).  

À lei da vingança Jesus propõe a não vingança, a não violência. Diante do ódio, do rancor ou da raiva que podemos sentir, Jesus está nos convidando a um novo modo de proceder: não alimentar vingança, não manter o rancor e responder às ofensas recebidas de uma forma totalmente diferente de uma justiça aparentemente “justa”.

No mundo reina divisão entre nações, religiões, classes sociais; até na Igreja ricos e pobres vivem separados. Onde existe esse amor ao inimigo que Jesus ensina? O ser humano realiza sua vocação de ser semelhante a Deus, quando ama a todos com o amor gratuito de Deus, sem procurar qualquer compensação (Konings). Papa Francisco reforça: amemos aqueles que nos são hostis; abençoemos quem fala mal de nós; saudemos com um sorriso a quem talvez não o mereça; não aspiremos a fazer–nos valer, mas oponhamos a mansidão à prepotência; esqueçamos as humilhações sofridas; deixemo-nos guiar sempre pelo Espírito de Cristo: Ele sacrificou-Se a Si próprio na cruz, para podermos ser “canais” por onde passa a sua caridade.

Paulo Apóstolo instrui qual deve ser nosso modo de viver: ser santuários nos quais habita Deus (1Cor 3,16-23). Nós, seguidores do Cristo, aprendemos com ele a ser também habitação divina, casa da santidade, porque vivemos no amor.

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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