Sábado, 26 de maio de 2012 - 15h43
Tanto já se falou sobre a Estrada de Ferro Madeira Mamoré!... Ao longo do tempo escritores ilustres, estudiosos, historiadores de várias nacionalidades, acadêmicos e pesquisadores debruçaram-se sobre sua história, sua saga, seu declínio, seu extermínio e, mais recentemente, sobre seu abandono. Ferrovia do Diabo, chamaram-na assim alguns; outros, Ferrovia de Deus.
Foram-se cem anos desde sua criação. O distanciamento no tempo e a diversidade dos olhares lançados sobre a ferrovia nos permitem revisitá-la como uma história de sequência complicada, que passa como uma película antiga na cabeça da gente que chegou a conhecê-la ativa; depois, decadente, velha, abandonada, morta.
Desde a primeira locomotiva importada pelos Collins, em 1878, tombada e abandonada nos fatídicos sete quilômetros iniciais em meio à selva do Alto Madeira, até a última, que deleitou alguns poucos turistas levando-os a um passeio simbólico a Santo Antônio, é a Madeira Mamoré o fantasma particular de cada um que cresceu ao seu lado ou de cada um que se deixou envolver por sua história.
Fico a imaginar o cenário dos idos de 1878: plena selva, mata fechada nas laterais da trilha solitária, pobre senda metálica em meio à imensidão verde, metáfora da tentativa humana de conquistar, de avançar, de vencer o grande desafio; um desafio perdido para a natureza bruta, para a mata exuberante e grandiosa.
Ali, à mercê da curiosidade dos caboclos nativos, tombada à margem dos trilhos, a locomotiva Baldwin: forno, banheiro, galinheiro, além de abrigo e, quem sabe, ninho de encontros furtivos; tantos foram os usos da máquina de metal nobre que ao longo do abandono foi-se deteriorando, desgastando, perdendo o brilho, até que anos depois, renascida e imponente, adentrava Guajará Mirim, ponto final da Madeira Mamoré.
A história da Estrada de Ferro Madeira Mamoré tem cunho épico; outras pessoas também já fizeram esta observação, aliás, já escreveram sobre o tema, referindo-se à Madeira Mamoré como a epopeia da Amazônia.
A epopeia constitui-se na narração (em versos) de uma ação grandiosa de um herói lendário ou histórico, ou de um povo, de uma coletividade.
A maior epopeia da língua portuguesa, sem dúvida, é OS LUSÍADAS, de Luís Vaz de Camões. A obra, belíssima, narra os feitos de Vasco da Gama e exalta a gente lusitana; navegadores que se lançaram ao mar em busca do caminho marítimo para a Índia. Em torno da ação central, outros episódios são descritos, sempre glorificando o povo português. A ação dos heróis é perpassada pela influência e as intervenções dos deuses da mitologia greco-romana.
Lançar-se à imensidão do mar com os parcos recursos de navegação da época era tarefa árdua. Estamos falando dos idos de 1497-1499, quando se deu a primeira viagem realizada diretamente da Europa para a Índia pelo oceano Atlântico. O comandante? Vasco da Gama, claro, o decantado navegador que partiu com a difícil missão, apoiado pelo de rei de então, D. Manuel I.
A missão de descobrir o caminho marítimo para a Índia era sonho de D. João II, o antecessor, que almejava, além da redução de custos nas trocas comerciais com a Ásia, monopolizar o comércio das especiarias. Mas os esforços de D. João II nesse sentido não encontravam acolhida junto às altas classes do reino de Portugal. Estas temiam o alto custo da expedição e a manutenção desses eventuais territórios além-mar. Esta oposição é personificada nos Lusíadas pelo personagem do Velho do Restelo.
Os deuses se reúnem no Olimpo, para decidir se permitiriam ou não que os portugueses encontrassem um lugar onde pudessem descansar e recuperar as forças, a fim de prosseguir a viagem rumo ao desconhecido.
Vasco da Gama conseguiu levar a bom termo seu objetivo, e o povo lusitano consolidou ainda mais o respeito de toda a Europa como grande conquistador dos mares; isto, a despeito da acirrada oposição ao empreendimento feita pela elite portuguesa; nos bastidores de toda glória sempre há um conflito.
Ponho-me a pensar nos empreendedores da nossa Madeira Mamoré. Sua origem também reporta a interesses econômicos; guardadas as devidas proporções, reporta a desenvolvimento, à melhoria na qualidade de vida, e a outros benefícios advindos deste: escoar uma das matérias-primas mais valorizadas no mercado internacional; algo que movimentava milhões de dólares através da indústria mundial da borracha.
Do mesmo modo, o empreendimento demandava riscos: embrenhar-se na mata virgem, enfrentar as intempéries da selva amazônica para vencer o trecho encachoeirado do Madeira era tão arriscado quanto lançar-se em grandes naus a mar aberto em busca de uma rota para a Índia.
Após duas tentativas fracassadas para a sua construção no século XIX, a obstinação do norte-americano Percival Farquhar (o “nosso” Vasco da Gama), aliada à sua competência, venceu enfim o grande desafio, e a tarefa se cumpre.
Ao longo de sua construção, entre 1907 a 1912, acorreram para esta região milhares de homens de várias nacionalidades; o que movia cada um desses homens? o sonho, evidentemente: era a promessa da fartura, do fim da miséria, a oportunidade de fazer fortuna, enquanto houvesse juventude e braço forte, para depois regressar à terra de origem como vencedor, aquele que iria assegurar à descendência uma vida confortável e promissora. Se lhe chegasse a morte, esta seria gloriosa; se havia de morrer, que fosse então por amor à vida, uma vida sonhada; tal como os românticos do século XVIII que aos vinte anos deixavam-se morrer por uma utopia.
Tantas vidas ceifadas... Teria a floresta intocada se rebelado e, tal qual uma entidade divina, despejado sua fúria contra aqueles que a violaram? Teriam os deuses se reunido no Olimpo para condenar a empreitada?
Cem anos depois do sonho, jaz a Estrada de Ferro Madeira Mamoré, abandonada e condenada ao esquecimento. Ponho-me eu, que nasci, cresci e envelheci em torno de seu cenário, a exaltar humildemente seus mortos; aqueles cujos devaneios foram sepultados palmo a palmo ao longo dos trezentos e sessenta e seis quilômetros da ferrovia:
AOS HEROICOS TRABALHADORES DA MADEIRA MAMORÉ
Canta, ó Musa, a história triste dos nossos heróis desconhecidos, homens que vieram de plagas distantes, pobres e jovens cheios de sonhos...
Canta, ó Musa, sua bravura sob o sol escaldante da mata amazônica; seus pés encharcados dos chavascais, seu passo enlameado, lento e difícil.
Canta, ó Musa, o labor das mãos calejadas que carregaram a enxada, o terçado, o serrote, o machado, a foice; mãos borradas de terra, feridentas, purulentas...
Canta seus corpos suados e ardentes do impaludismo que os consumia devagar. Canta a febre, o calafrio, a dor nas órbitas, a saudade do lar.
Canta, ó Musa, sua agonia, seus rostos esquálidos, seus leitos fétidos da doença e dos dejetos humanos.
Canta, ó Musa, o fim desses bravos heróis...
Canta a dor de suas mortes, de suas mortalhas de barro vermelho, de seus paletós de linho branco, encardidos de lama, sangue e suor.
Canta, ó Musa, a história do breve fulgor da gente cabocla, que se achou sozinha e perdida na mata silenciada pela ira de Zeus. Calou-se o apito. Acabou-se o sonho.
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