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Gente de Opinião

Helder Caldeira

300 anéis roubados


HELDER CALDEIRA é escritor e jornalista.

www.heldercaldeira.com.br[email protected]

*Autor do best-seller “Águas Turvas” e da biografia crítica “A 1ª Presidenta”.

Certa vez, no início da década de 1990, um ex-deputado federal, investido na fantasia de ferrenho defensor dos trabalhadores pobres e oprimidos do Brasil, cunhou uma frase oportunista que se tornaria parada de sucesso — os memes de antigamente — e atravessaria o século como símbolo de uma suposta indignação política. Referindo-se ao Congresso Nacional, disse o travestido mocinho: “Há uma minoria que se preocupa e trabalha pelo país, mas há uma maioria de uns trezentos picaretas com anel doutor que defendem apenas seus próprios interesses”.

À época do advento do epíteto congressista — alguns vocais midiáticos pareciam celebrar a descoberta da pólvora! —, a nação vivia uma espécie de ressaca, após deleitar-se com o vento forte que ousava desgrenhar as melenas do esguio presidente da República defenestrado, ao embarcar em sua última viagem no helicóptero oficial rumo à mansão comprada da madrinha numa das penínsulas de Brasília. Grosso modo e em última instância — porque nos tribunais fora absolvido de todas as demais acusações —, sofreu um impeachment pelo Fiat Elba “por fora”.

Os cabelos “colloridos” continuam iguais, mas os escândalos... quanta diferença! De lá pra cá, os “doutores” são quase os mesmos, alguns envelhecidos, alguns plastificados, outros transformando seus gabinetes em capitanias hereditárias. Já o fantasiado Robin Wood dos trópicos ascendeu aos píncaros do poder, apaniguou com cargos e altos salários sua plebe rude, distribuiu benesses aos famélicos e deu cria palaciana. A picaretagem cantada de outrora tornou-se liturgia institucional.

A aula inaugural deste modus operandi de construção de alianças políticas foi o Mensalão, quando o Poder Executivo decidiu oficializar o pagamento de mesadas, com dinheiro desviado dos cofres públicos, aos “doutores picaretas” do Poder Legislativo em troca de apoios e tapinhas nas costas. Como os ladrões, por sua natureza envergada, não sabem fazer uso da isonomia para repartir o pão roubado, o esquema rendeu alguns meses de xilindró à intrépida trupe.

Já que os brioches mofados continuam caindo à mesa dos famélicos, ainda que aos trancos e barrancos, chegamos ao tempo do reinado de nossa vermelha Maria Antonieta. Enquanto Sua Majestade rega com azeite de dendê a bacalhoada econômica, o cacique mato-grossense da Corte Suprema anuncia, tal qual arauto da desgraceira: “Agora, a Ação Penal 470 [o Mensalão]terá que ser julgada em tribunal de pequenas causas pelo volume que está sendo revelado nesta demanda [a Operação Lava Jato].

O assalto aos cofres da Petrobras — e, provavelmente, extensivo às outras estatais brasileiras — é algo sem precedentes. Talvez por considerarem bagatela o roubo estimado em R$ 10 bilhões inicialmente, a maioria dos eleitores decidiu dobrar a aposta na cumplicidade com o descalabro. Gozando de tal anuência qualificada, vimos o assalto à Petrobras ganhar contornos mafiosos e elevar à 13ª potência o volume de recursos desviados apenas na petrolífera. Ainda temos pela frente Itaipu, Furnas, Correios, Eletrobras, Caixa Econômica Federal, Banco do Brasil e outros alvos da gafanhotagem política defendida pelos ex-trabalhadores.

Hoje, pouco mais de duas décadas depois daquele meme paralamístico, já sabemos exatamente o que o tal mocinho travestido fez com sua indignação contra aqueles que chamou de picaretas: instalou na República um esquema de corrupção de tal ordem, que até os trezentos anéis foram roubados.

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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