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Antônio Cândido

PORTO VELHO — SETENTA ANOS DE CUMPLICIDADES


 

Antônio Cândido da Silva
 

Estou a caminho de completar setenta anos que cheguei a Porto Velho, no distante ano de 1945. Vinha do Seringal Boa Hora, como um retirante, sem lenço, sem documento e sem certeza de futuro.

Porto Velho era uma cidade pequena como eu e, talvez por isso, surgiu entre nós aquele amor à primeira vista, amor de criança que segue em frente pela vida a fora.

Fomos confidentes, cumplices e parceiros nas minhas peraltices dos tempos de moleque, das conquistas da juventude, do trabalho honesto e agora do prazer de lhe comtemplar na quietude da aposentadoria.

Um dia eu registrei minha chegada assim:

         PORTO VELHO

      Antônio Cândido da Silva

Quando dobrei na curva do teu rio

com somente três anos de criança

tinha apenas meu canto e o desafio

num barco envelhecido pela andança.

O barco, um arremedo de navio,

meu canto o arremedo de uma herança.

O peito preenchido de vazio

trazido pelas sombras da lembrança.

Nós éramos, então, duas crianças.

Eu trazia um punhado de esperanças

e tinhas um futuro promissor.

Ao me acolher a vida me sorriu

e desde então minha alma se sentiu

sob os encantos do primeiro amor...

Diz o provérbio popular que “quem ama o feio, bonito lhe parece” e, apesar de tudo o que dizem de ruim da minha cidade, eu só consigo vê-la com os olhos de quem ama.

Como posso não gostar de Porto Velho se quando abro a janela do meu quarto e o sol passando pela roseira que plantei no fundo quintal, vem rendilhar com réstia de luz o meu rosto que desperta para o amanhecer?

Se ao despertar para mais um dia vejo os bem-te-vis em desafio pousados nas antenas e os pardais em sinfonia, vindo me pedir as migalhas de pão que, para eles, jogo no quintal?

Sim, porque aqui ainda podemos nos dar ao luxo de termos quintais, de plantarmos uma árvore e fazermos um balanço de cordas para os filhos e os netos.

Como posso não gostar de Porto Velho se convivi com as suas dificuldades que foram tantas. Se eu aprendi a esperar durante um mês para receber a resposta de uma carta, porque o avião da FAB só aparecia aqui a cada quinze dias ou quando a luz do SALFT, precária, nos deixava sem energia e brincávamos no terreiro iluminado pela luz da sua lua?

Como não amar Porto Velho se convivi com as retretas da Praça Rondon, aprendi a pular o muro do Estádio Paulo Saldanha pra ver o futebol nas tardes de domingo, roubar frutas nos quintais sem muros e descer a Ladeira do Cemitério em carrinho de rolimãs?

Como não amar Porto Velho se suas noites de sábado se faziam mais bonitas para as serenatas que Jorge Andrade, Vovô e eu íamos fazer pelas ruas da cidade adormecida, e terminávamos na Rua Irmã Capelli para acordar uma “interna” com quem casei há quarenta e nove anos?  

É impossível não amar esse seu céu azul, esse sol que no final da tarde pinta com as cores do ouro as águas do seu rio amarelo, como se Deus voltando a ser menino, fosse brincar de pintor e derramasse tinta na tela azul do céu.

Eu não consigo entender como podem encontrar defeito na minha cidade. Ela é perfeita. O que existe de errado não é dela a culpa. Porto Velho não tem culpa de abrigar aqueles que a procuram, que se dão bem, compram carros, superlotam as suas ruas, aumentam os problemas de saúde, segurança, educação e ainda elegem, por serem maioria, pessoas incompetentes para administrar os problemas que eles criaram.

A minha Porto Velho, não tem problemas. O problema é de quem, por não  a conhecer como eu conheço, atestam a sua ignorância dizendo que ela não tem história, como pretexto para destruir a nossa memória, inclusive nas escolas onde as crianças são educadas com a utilização de livros que ensinam uma realidade diferente da nossa.

Enfim, prefiro parar por aqui com esse assunto. Não vou falar de corrupção, de desfalques, acordos e conchavos que acontecem na tentativa de exaurir o último quinhão da sua riqueza, porque hoje eu estou emocionado por saber que a bandeira que te representa, que eu tenho orgulho de dizer que eu fiz, estará tremulando nos mastro dos teus prédios.

Hoje eu quero falar de amor. Do nosso amor que eternizei assim:

 

PORTO VELHO

Antônio Cândido da Silva

Eu amo realmente esta cidade

como quem ama uma mulher bonita

com a forte paixão de mocidade

que pela vida no meu ser palpita.

Hei de cantá-la para a eternidade.

Ser seu amante é como lei escrita

que no meu peito em doce suavidade

meu coração agradecido agita.

Quero dormir meu sono derradeiro

no seu solo fecundo e hospitaleiro

que um dia me acolheu com seu calor.

E ser o dono de uma rua dela

para minha alma passeando nela

declamar versos sobre o nosso amor.

Parabéns! Minha cidade. Obrigado pelos setenta anos de cumplicidades.

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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