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Montezuma Cruz

Momentos inesquecíveis na via crucis brasiliense


Momentos inesquecíveis na via crucis brasiliense - Gente de Opinião

José Luiz Oliveira, nascido em 27 de setembro, além de fazer um bom jornal, vendia pães em sua mesa
 

MONTEZUMA CRUZ

Meus 14 meses de Jornal de Brasília foram marcantes. Com uma semana de serviço, em 25 de maio de 2005, um Celta atropelou-me na Estrada Parque Taguatinga, quando caminhava a pé na madrugada enluarada.
 

Fui socorrido pelos bombeiros e levado para o Hospital Regional de Ceilândia, de onde me transportaram até o pronto-socorro do Hospital de Base. Ainda no hospital de Ceilândia, desci devagarinho da maca para ir ao banheiro e ali me deparava com um defunto amarrado num lençol.
 

O hospital estava superlotado de vivos e, pelo jeito, a sala de mortos também estava cheia.
 

Mesmo com sedativos, incomodava-me ouvir funcionários conversando em voz alta e gemidos de outros acidentados em situação piores que a minha. Idosos arrastavam-se carregando soro nas mãos, enfileirando-se no único banheiro, então fétido e mal cuidado.
 

No quarto dia, depois que as tomografias comprovavam não ter sofrido lesões no cérebro, não quis ficar em casa; a contragosto da família entrava no ônibus e seguia para o jornal. Na Redação aguardavam-me pessoas constrangidas, pois o meu rosto estava cheio de hematomas.

Momentos inesquecíveis na via crucis brasiliense - Gente de Opinião
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– Você não tem atestado médico para descansar uns dias e se recuperar? –perguntavam-me o editor de cidades Luiz de Oliveira e o subeditor Ricardo Nobre. Respondia-lhes que sim, porém, necessitava do emprego que me fora dado pelo editor-chefe, Carlos Honorato, e não queria desapontá-lo. Ademais, raciocinava normalmente e as sequelas maiores ocorreram nas pernas, atingidas pelo automóvel e mais tarde recuperadas em sessões de acupuntura e pequenos choques elétricos aplicados pelo amigo fisioterapeuta Luiz Antonio Daré de Miranda.
 

Zé Luiz, mineiro de Arapuá, incumbia-me de fazer o trivial e de redigir o necrológio, publicado diariamente na página dois. Todas as tardes a administradora do Cemitério Campo da Esperança enviava a lista de sepultamentos nesse e nos demais cemitérios das cidades do Distrito Federal.
 

Eu ordenava nomes em ordem alfabética e, às vezes, descobria mortos ilustres. O general Otávio Medeiros, criador do Serviço Nacional de Informações (SNI), foi um deles.
 

Sob o comando do Zé Luiz, nossa equipe trabalhava a todo vapor depois das 17h, horário em que os repórteres começavam a entregar a produção, toda arquivada pelo programa Genus, um dos melhores do mundo.
 

Regularmente o JBr publicava 12 páginas. Nos fins de semana, revezávamos no fechamento, mas o “normal” era trabalhar dois fins de semana completos, com sábado e domingo. Levava uma garrafa de café e broas de milho de uma padaria de Taguatinga.
 

O editor que se esmerava em produzir bons textos e caprichava em legendas de fotos, também costumava não deixar o povo passar fome na Redação. Vendia em sua mesa saborosos panificados fabricados pela irmã dele.
 

Tinha até caderneta de fiado, tradição secular brasileira. A banca abastecida semanalmente funcionava das 15h às 20h, prolongando-se nos raros dias em que sobrava algum produto. Do mais graduado editor ao mais humilde funcionário, Zé Luiz atendia todos com distinção. O empresário Fernando Câmara, um dos diretores da empresa, provava das iguarias. Nas quartas e quintas-feiras, a diagramadora Fátima Moraes “socorria” os jornalistas com temperadas empadinhas de frango, brócolis, queijo e tomate. Servia refrigerantes de brinde e aceitava encomendas para os fins de semana.
 

Zé Luiz, cujo conteúdo ético e profissional a todos impressionava, exigia-nos zelo completo com a legenda — rejeitada quando deixava de identificar corretamente pessoas —, subtítulos e manchetes de página. Morreu ao volante do seu Ecoesport, num capotamento perto de Luziânia (GO), quando retornava de seu sítio, em Minas Gerais.
 

O JBr foi uma das mais alegres e barulhentas redações em que trabalhei. Se no seu começo, nos anos 1970, era reduto dos melhores repórteres de política em Brasília, nos anos 2000 servia de escola para jovens estudantes de comunicação em fase de conclusão de curso. Vi alguns deles saírem dali com boas propostas para trabalhar em outras publicações locais ou nacionais.

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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